terça-feira, 18 de setembro de 2012

Desejo que ela deseje

Sou filha de um casamento que se pautou por uma série de padrões. Não era um casamento feliz e, no entanto, talvez não houvesse chance de pensamento para minha mãe mudar a situação. Não se sabe o que pulsava dentro dela, mas o fato é que isso enraizou-se em mim. Muita conversa para que eu não quisesse manter esse padrão que, de certa forma, o mote era desejar pouco para si.

Hoje tenho um desejo muito forte para a minha filha. Quero que ela deseje. Porque sei que isso não é simples. A gente acha que o mundo está a favor de nossos desejos, mas há um desejo que mora dentro da gente que nada tem a ver com o mundo. Acabei de ler um artigo da jornalista Eliane Brum sobre o porquê da aceitação de Celso Russomano como possível prefeito de São Paulo e voltei a pensar no assunto. A gente fica lendo e escrevendo aquela mesmice de “melhor ser do que ter”, mas é aí que estamos sendo superficiais. Há pessoas que simplesmente não querem ser. Querem ser, sim, levadas. Levadas por pais que deem tudo – inclusive aqueles que a vida toda têm pouco para dar -; pelo sonho de um marido que possa me deixar em casa com a vida quadrada e sem desafios (e isso não tem nada a ver com trablhar fora ou não); pela satisfação de ter uma esposa que cuide da casa, não faça perguntas e crie filhos para o mundo sei-lá-de-que-jeito; por um emprego que fique sempre na mesma, sem riscos. 

Desejo para a minha filha que nestes seus primeiros meses ela queira mesmo participar mais da vida, ficando mais acordada durante o dia. Que ela balbucie e até faça seus minigritos muitas vezes, desejando falar como todos à sua volta. Desejo que ela queira ir para a escola, montar muitos Legos, aprender a ler e a escrever. Desejo que ela “adolesça” sonhando em trabalhar logo, para conhecer pessoas, aperfeiçoar sistemas, se sentir útil. Que ela escolha uma profissão para logo se inserir no mercado, e que seja algo a ver com nossas possibilidades, mas que ela faça disso apenas um começo. Pois sonhar não é desejar somente o que não se pode ter. Sonhar é preciso. É traçar metas, procurar ajuda, acima de tudo conquistar. Não dar dor de cabeça a ela e aos outros. Não se encostar em ninguém.

Como não sei até quando estarei por perto dela, eu desejo que ela aprenda que ficar em casa com os pés para cima e as mãos digitando algo não é necessariamente um sonho. É uma armadilha. O que mais ela vai encontrar à sua volta é gente querendo mostrar que poder comprar algo já é suficiente. Que encher a cara todo final de semana é algo merecido e típico da juventude (ô, coisa estúpida!!). Que todo o mal do mundo se resolve com uma solução politicamente correta, com frases feitas (com fotos, opa!) no Facebook supondo lições de moral contra o rock, a literatura e até a novela! Desejo que a minha filha deseje. E não aceite fácil um mundo em que as pessoas querem ensinar um único jeito de ser e ter. 

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Com licença

Estar de licença-maternidade é uma das coisas mais malucas que já vivi. É um mundo paralelo no momento em que você de fato não é mais como era antigamente. É quando você tem certeza de que nada será como antes. Pura letra de música mesmo. Tem alguém indefeso dependendo de você. Um indefeso cheio de vontades, sem dúvida. Que você acaba de conhecer, mas sabe de cor. A gente se perde, se encontra. Fica sabendo das notícias do mundo mais do que nunca como um mero espectador. Tem notícia do trabalho, mas não sabe se envolver como antes. Trabalho. Esta é a parte mais estranha. Jornalista é o trabalho. Estou há 17 anos totalmente em função dele. Sou o trabalho. Era. Agora só sou outra pessoa. Aquela que acolhe, limpa, alimenta. Aquela que aprende com um ser de pouco mais de 50 centímetros que o mundo é mais. A gente repensa tudo, a gente se acalma e se desespera em segundos. Refaz a vida em pensamentos, planeja, desiste, volta, tem esperança. Acredita. É uma licença para pensar. Para ser. Com licença, sou mãe agora. Amo esta foto do Elliot Erwitt...

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Ser mãe

Ser mãe causa dependência. Ela dorme e quando você deveria ficar feliz por estar finalmente descansando após um dia exaustivo, ou por ter certeza de que fez a sua parte, seu coração é tomado por um vazio. Você quer mais. Mais cheiro. Mais barulhinhos. Mais sorrisos. Mais tudo. Agora você só sabe viver assim.

Ser mãe é não ter tempo para escrever. Mesmo o ato mais comum de meus dias há quase duas décadas agora se torna escasso. Tanta palavra jogada pela vida, no papel, no computador, na boca. E agora tudo se resume a ela. E nos primeiros dois meses não foi possível sentar e escrever. Sentar e escrever sobre como a vida é outra. Do avesso. Mil vezes melhor. Com mais sentido e porquês respondidos.

Ser mãe é estar à espera. De ela acordar, de dormir. De mamar, de fazer cocô. De se mexer, de agarrar o brinquedo, de sorrir. E a imaginação corre e toma conta de tudo em segundos. Estão lá os primeiros passos, o chamar “mamãe”, o brinquedo de encaixar, o pedido por mais histórias, a hora de buscar na escola, a ida ao cinema, o beijo de surpresa.

Ser mãe é voltar no tempo. É sentir o cheiro da mãe, lembrar do beijo no pescoço para fazer cócegas. Ouvir com lembrança doce as histórias, a música, os filmes na TV. Vem o brinquedo preferido, as primeiras palavras lidas, a companhia dos amigos. Tudo é seu. Tudo veio de algum lugar e agora continua. Um tempo que para às vezes. Me tira do corpo, me devolve a elas – mãe e filha. Sou um pouco do antes mas, acima de tudo, sou futuro nela em cada segundo vivido. Esta imagem maravilhosa é uma das belíssimas escultura de Sandra Guinle, chamada Maternidade